segunda-feira, 10 de agosto de 2009

O CALABOUÇO




O frio era intenso entrando pela abertura da porta, sem porta. Apenas um cubículo de um metro e meio por dois, um catre de madeira e uma janelinha a três metros de altura, de quarenta por vinte é cinco centímetros. Catre que pareceu o mais belo e confortável dos colchões depois de três dias em pé, olhos vendados e encapuchados, braços e pernas abertas em cruz, golpes de fuzil nos rins e o perigo de passar a urina ao fluxo sanguíneo. Sem contar que, de estar de olhos vendados e encapuchados, o que era ouvido e imaginado fazer com outros detentos naquela cavalariça significava uma verdadeira tortura psicológica.
A barba de muitos dias, os olhos afundados nas covas escuras pelas noites de insônia forçada. O cheiro azedo, forte, emanando de sim mesmo, que por força da sua impotência de cuidar da higiene pessoal tinha que ir acostumando se a suportá-lo.
Dores da carne, muito menos doídos que os da alma e uma consciência clara da sua missão, escolhida em nome de seus ideais.
As paredes verde escuras, riscadas, davam sinal de que humanos, anteriormente, tinham passado pelo lugar desumano, escuro.
O mundo distante, ainda que ficando tão perto e uma solidão imposta, só quebrada pela força incontrolável da mente. A memória voando, projetando imagens, lembrando gentes, relembrando fatos, ouvindo sons, gargalhadas queridas, carícias noturnas, animais de estimação, gritos infantis, sentindo sabores e perfumes. Perguntando e respondendo.
A vida toda passando em instantes neste quarto dia de prisioneiro da ditadura e, a terrível duvida do tempo a ter que suportar esta situação e como fazer para contar com a reserva moral suficiente para sobreviver a tanta fúria animal em nome da “justiça, da pátria e a tradição.”
lille/2009

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